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O sol nascia discreto por trás das casas daquele subúrbio no interior de Clarksville numa manhã fria daquele novembro de 1867 e sob o olhar atento de dois pássaros que se aprumavam nas penas, caminhava sob a copa das árvores num misto de tédio e pressa. Seu destino era o pequeno riacho que por ali passava e congelava seus delicados dedos.
Há algumas milhas dali, um jovem era tirado de seus aposentos pelos raios de sol através das frestas da janela. Pedro não tinha muitos afazeres, porém naquele dia fora convocado pelo seu pai para abastecer o estábulo. Vestiu-se rápido e ia descendo as escadas ás pressas quando foi interpelado por seu irmão ofegante, que o convidava para uma caçada no grande bosque perto dali na manhã seguinte, Pedro aceitou e apartou Bruno de seu caminho. Enquanto tomava café uma moça adentrou a sala e como alguém que já pertencia à família sentou-se ao seu lado e começaram um diálogo animado, tratava-se de Isabel, amiga íntima de Pedro, por quem tentava reprimir sentimentos.
Terminada a conversa resolveram partir juntos para a cidade para fazer as compras das qual Pedro fora encarregado. Durante a caminhada Isabel resolveu visitar amigos na sede da organização Ku Klux Klan, à qual ambos faziam parte, porém Pedro entrara na organização forçado por seus pais e não tinha afinidade com seus membros, discutiram, e quando Pedro retornou para a fazenda, o sol já se encondia por trás das árvores do bosque.
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Mais um dia cansativo para Ana, aliás, todos os dias eram uma sucessão de frustradas e fastidiosas horas para ela. Sua família afro-americana sofria o preconceito de uma sociedade recém saída do regime escravista, e ainda a perseguição da organização racista que há pouco surgira; tudo isso contribuía para que sua família e as outras famílias daquele subúrbio vivessem em condições além da precariedade. E Ana ia repousar com a consciência de que a manhã seguinte tudo se repetiria e de que estava presa àquela vida enfadonha e fatigante.
De fato, o dia começou da mesma forma, seguindo para o bosque em busca do riacho (...). Porém, talvez ele terminasse de forma diferente, era o que Ana mais desejava.
Acordou com o ruído de seu irmão invadindo o quarto, afoito e alvoroçado, abriu as cortinas e deixou o sol invadir aquela escuridão. Bruno falava rápido e fazia sinais para o irmão levantar da cama, Pedro observando-o com expressão sonolenta ia se levantando vagarosamente e acordando meio atordoado com a invasão, porém lembrou-se da caçada que havia combinado com o irmão e logo já estava disposto e curvado sobre as pernas calçando as botas.
Despediram-se da família, pegaram as armas e partiram na direção do bosque. Iam cantarolando, conversando e fumando. Já na entrada do denso arvoredo, atentaram os ouvidos e o olhar por dentre as árvores, acomodando a espingardas abaixo do braço, seguiram perseguindo as raposas.
Algumas raposas capturadas depois, ouvem, de repente, alguém cantarolando, porém não avistaram ninguém, então foram seguindo os ruídos para descobrir de quem vinham. Num instante, Bruno deteve os passos e tocou o peito do irmão impedindo que avançasse, fez sinal de silêncio e indicou com a cabeça um ponto que estava abaixo do barranco do outro lado do riacho, próximo à água. Pedro observou com afeição àquela figura: com uma trouxa avolumada do lado, ajoelhada, curvada sobre o riacho, com a água pela altura dos cotovelos e os cabelos sobre o rosto, lavava com certa apatia aquelas peças de roupas desgastadas e esfoladas. Contudo, foi tomado por tal simpatia por moça negra, que só prestou atenção no que o irmão fazia quando sentiu seu pé sendo tocado pelo cabo da arma, olhou para baixo e se deparou com o irmão descansando os olhos na mira da carabina, esperando o mínimo repouso da moça para atirar. As intenções de Bruno passaram num instante pela cabeça de Pedro, que rapidamente, puxou arma das mãos do irmão, pois sabia o que vira a acontecer caso Bruno, fanático membro do Klu Klux Klan, pressionasse o gatilho. Rapidamente, Bruno se levantou, olhando o irmão com certo desprezo e já antecipando a conclusão de que Pedro fizera aquilo, pois não era racista e somente era membro da Ku Klux Klan para agradar a seus pais. Ambos discutiram sussurros para não despertar a atenção da moça que estava perto dali, mas o que Bruno mais estranhou foi o modo como Pedro defendia a moça, como quem já a conhecia há tempos. Bruno querendo evitar maiores atritos com seu irmão, pois tinha grande afeição por ele que era o mais novo da família, precipitou um recuo, porém virou o tronco e chamou o irmão para voltar com ele, mas Pedro sinalizou negativamente com a cabeça e permaneceu onde estava enquanto o irmão se afastava.
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Afastara-se da beira da água, as costas doíam, cotovelos latejavam e os dedos adormecidos retiravam os fios de cabelo que insistiam em permanecer na face, sentou-se, e assim ficou por um tempo até o sol desenregelar seus pensamentos, voltando ao trabalho. De repente sentiu uma sombra encobrir-lhe os braços e passos leves que pararam a suas costas, sentiu um frio que lhe subia pelos braços e arrepiava-lhe a cabeça; era uma sombra alta e forte, que lhe dava uma sensação de ameaça e prazer, nunca havia sido tocada antes, e em meio aquele arvoredo não haveria ninguém para lhe escutar. Sentiu uma mão forte e suave tocar-lhe o ombro, virou-se vagarosamente com os olhos negros baixos e aos poucos foi levantando a face para descobrir de quem era aquela bela silhueta. Deparou-se com um moço alto, cabelos pretos, pele alva, olhos claros como o céu de verão e não muito mais velho que ela. Levantou-se lentamente com uma timidez que dominava seu corpo, tremia por completo, sabia que pessoas brancas sempre incitavam ameaça. Repentinamente, proferiu uma palavra simpática, uma saudação cavalheira que tranqüilizou Ana, curvou-se sobre a mão da moça na típica felicitação masculina da época:
-Bom dia, bela senhorita!
Gaguejando, respondeu:
-Bom dia...
Pedro seguia o diálogo, galanteando alguns elogios e deixando-a envergonhada. Ana apenas ouvia e sorria, deixando sua mão ser levada pelo moço, que a puxou até uma pedra e ambos sentaram e prosseguiram conversando.
O sol já estava a pico, quando Pedro a tomou nos braços e tocou seus lábios. Ana apenas se deixava levar pelas delicadas mãos do moço.
Amenizada as emoções, Ana libertou-se dos braços de Pedro e correu para fora do bosque, na direção do subúrbio, abandonando as roupas à beira do riacho. Pedro tentou detê-la, porém ela se desvencilhou rapidamente.
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Pedro não caminhava, flutuava sobre aqueles campos, numa mão a carabina e na outra os farrapos. Voltava para casa pensando quão doce era o beijo, quão suave o abraço daquela rapariga, recordava e sorria sozinho.
A noite era longa, mal esperava o dia amanhecer para vê-la novamente, sabia que a encontraria naquele lugar, era seu ofício ou tentaria recuperar suas roupas. Então no dia seguinte, com o intuito de reencontrá-la, Pedro dirigiu-se ao riacho. E lá estava Ana , cumprindo seus afazeres. E dessa forma, dias se passaram e o sentimento entre os dois se fortaleceu tanto que Pedro já não conseguia mais esconder. Resolveu então, contar para sua amiga Izabel, em quem confiava plenamente. A amiga, pasma, não conseguiu acreditar no que Pedro lhe dizia. Izabel se sentiu trocada e percebeu que estava perdendo seu grande amor para uma pessoa que julgava ser inferior sentindo-se, então, desprezada.Sua raiva fora tão grande que ela não conseguia disfarçar, deixando claro sua opinião e mostrando total desapontamento com a decisão de Pedro. O amor de Izabel era tão grande que não foi capaz de agüentar essa situação, percebeu então o risco que estava correndo de perder seu amado e decidiu reagir diante disso tudo e tentar impedir o que já era impossível.
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Após dias tentando encontrar uma solução para separar Pedro e Ana e acabar com esse amor tão forte e repentino que havia florescido entre os dois, Izabel resolve recorrer a seus amigos, também integrantes do Ku Klux Klan.Então estes decidiram reunir todos os membros,exceto Pedro, em uma casa abandonada e mal localizada próprias para reuniões deste grupo.A intenção era manter todas as idéias em total sigilo.Izabel recebeu total apoio de todos os membros para agir como desejava.Enquanto isso, Pedro,já desconfiado, saia escondido em busca de Ana com o objetivo principal de elaborar um plano de fuga para os dois.No dia seguinte, Pedro acordou antes de todos e foi em busca de Ana, sem deixar nenhuma informação ou algo que o denunciasse, causou espanto e revolta em todos com sua atitude.Izabel sugeriu que todos fossem atrás de Pedro e Ana o mais rápido possível.
Sem sucesso,resolveram desistir da busca que demorou cerca de dois dias. Mas Izabel não pretendia deixar que Pedro tivesse um final feliz com outra pessoa e não desistiu de encontrá-los
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Izabel, sem o apoio de seus amigos, continuou sua busca por dias. Até que no seu quinto dia de busca, encontra os dois conversando perto de um rio e aparentavam grande satisfação em estar juntos. Apesar da vontade de se descontrolar, Izabel manteve a calma e procurou ser o mais discreta possível para que sua presença não fosse notada pelos dois com a intenção de voltar com o seu grupo para que pudesse colocar seu plano em prática. Izabel voltou e contou a todos que havia, finalmente, encontrado os dois, causando grande surpresa, convenceu todos de voltar ao local. Chegando lá, avistaram os dois juntos. Não pensaram duas vezes, puxaram as armas que seguravam e logo dispararam contra Ana. Pedro rapidamente tentou protegê-la, mas já era tarde demais, lá estava Ana, morta em seus braços. Pedro que se via desesperado diante da cena tão chocante que havia presenciado. E numa tentativa infeliz de consolar Pedro, foi apartá-lo do corpo de Ana, contudo ele não queria se separa do corpo inanimado. Para ele era o fim de um sonho, fim da vida de sua vida.
Enquanto todos se afastavam dos três que ali estavam, Pedro foi tomado por uma coragem brutal e disparou em direção ao lugar do estábulo onde guardava seus armamentos, imediatamente Izabel disparou atrás de seu amado, que corria infatigável.
Tomado por um misto de desespero, tristeza e fúria, pegou sua arma com apenas um projétil, enquanto as lágrimas corriam-lhe a face, corria ao encontro do cadáver de Ana. Durante a sua volta, foi interpelado por Izabel, que tentou detê-lo, porém, em vão, e ficou estática consciente da atitude errática que tivera, dos efeitos que provocara e percebeu que não tinham mais como ser corrigidos.
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Correu incessantemente e, chegando próximo ao corpo gélido e dissipado de vida que jazia sob uma grave pedra, encostou o cano na fronte e foi se encontrar com sua amada, agora não havia quem os separasse, para sempre, porque no infinito o amor não reconhece raça.
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